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domingo, 8 de junho de 2025

Quando rir torna-se um remédio amargo.

O arlequim é o símbolo da comédia e seu lema em latin é "ridendo castigate mores", ou seja, rindo castiga-se os costumes". A ideia da comédia aristotélica é punir os mais costumes. O não deve servir para oprimir e ridiculatizar oprimidos. O dano que esta espetacularização da condição social subalterna causa não é mensurável, tamanho a sua extensão. O humor alivia bastante o peso que se carrega pela existência difícil, que precisamos cumprir dentro do modelo de capitalismo predador sob o qual vivemos atualmente. “Sorrir é o melhor remédio”, desde criança sempre vi e ouvi esta frase. Ela é genial na medida em que nos sugere o ato de sorrir como um unguento que amenizará nossas dores oriundas de nossa existência.

São dores do existir que provém de perdas das pessoas que amamos, de sonhos não realizados, de amizades que se foram pelo mundo, de famílias infelizes e dos dissabores do cotidiano de uma nação distópica e alucinada.

Então o humor nos transporta para uma dimensão de esquecimento ou então desprovida de realidades duras e cruas, que costumam ser incineradas pelo fogo da genialidade do humor, que transforma lágrimas e apreensões em risos revigorantes que nos fazem levitar.

Então em tempos de liberdade e democracia nos deparamos com fazedores de humor da contemporaneidade. Novos humoristas com novos conceitos e abordagens. Esses novos profissionais do riso operam dentro de uma ótica onde tudo é válido, tudo mesmo, desde que se possa fazer rir. Aí então o encantamento desmorona, pois, fazer rir pressupõe ser inteligente o suficiente para não gerar desconforto ou sofrimento mental em grupos de maioria minorizadas como mulheres, negras e negros, deficientes, idosos, jovens e crianças.

O labor do fazer rir é louvável e necessário, desde que não se utilize do estupro de crianças e adolescentes. Desde que não remeta os negros aos tempos abjetos da escravidão, desde que não se acene com as bandeiras do capacitismo, etarismo, machismo e homofobia.

O que estamos assistindo atualmente é um show de horrores em alguns palcos brasileiros. Negros foram citados por peso em arrobas, assim como que durante a escravidão não havia desemprego e outras citações sobre pedofilia me reservo não comentar.

A legislação brasileira, que não foi redigida nem votada pelo PT, diz que essas aberrações chamadas de comédia, são crimes e como tal devem ser punidas. A civilização, destarte o suave retorno à barbárie que estamos passando, não pode permitir que pessoas grupos sociais sejam aviltados e machucados por qualquer tipo de profissional pervertido e desumano, que em prol de aplausos e dinheiro promove desgraças no âmago de seus “semelhantes”.

O debate está pegando fogo nas redes sociais quando a partir da sentença de uma juíza o “comediante” Léo Lins foi condenado a 8 anos de prisão e o pagamento de pesadas multas reparatórias.

Há um imenso levante por parte dos humoristas brasileiros contra a sentença proferida. Embarcando no bonde do oportunismo, a extrema-direita da política nacional levantou seus estandartes contra o Judiciário (como sempre faz quando é do seu interesse) alegando a defesa da liberdade de expressão.

O conceito de liberdade de expressão passa de boca em boca como um mantra libertário. Porém provém de lábios que entoam cânticos de louvor à ditadura militar e à volta dos militares ao poder com o consequente fechamento do Congresso Nacional. Pessoas que defendem a tortura e a execução sumária de nacionais em conflito com a lei, defendendo a promoção de um golpe militar com a instalação de um estado de sítio com total restrição de liberdade. São essas pessoas que agora falam em liberdade! Falam em democracia e pasmem, clamam por justiça.

A impressão que se tem é que o Brasil está passando por um período lisérgico onde o surrealismo social está suplantando a lógica do normal. Em seu livro Genealogia da Moral Nietzsche fala da “Moral dos Senhores” e a “ Moral dos Escravos”, onde os dois contingentes defendem seus valores em uma dialética por vezes piegas mas que contém o substrato do ideário judaico-cristão com seu colossal arcabouço de culpas e penalizações.

Em meu espírito vaga uma interrogação de maneira constante, que me instiga e ao mesmo tempo incomoda, quando inutilmente tentar desvendar o porquê das plateias sorrirem. Sim, as pessoas sorriem com vontade ao ouvir tamanhas monstruosidades perpetradas pelo "monstro da lagoa"? Que coisa abjeta! Que feio! Como seres humanos se dispõem a pagar para assistir esse circo de horrores?

O futuro do Brasil? Hoje parece difuso, pois as camadas ultraliberais que controlam o Congresso Nacional e o Presidente da República, permanecem impávidas, como nuvens temerosas e sombrias, em nosso horizonte político, impedindo a assunção do sol da verdadeira liberdade.

Léo Lins, MC Poze e Zambelli – Quando a versão do caçador sempre prevalece sobre a da caça

O Brasil funciona de acordo com as versões da mídia hegemônica. Estamos atravessando uma tempestade de versões sobre três casos que ocupam parte da atenção nacional. São dois semelhantes de uma certa maneira e outro instigante e curioso pela abordagem da visão conservadora da população e do racismo estrutural do estado brasileiro.
O panorama apresenta um jovem negro, artista muito bem sucedido, que através do Rap e do Funk expressa sua visão de sociedade e a realidade das comunidades onde viveu e que ainda se apresenta em show bastante concorridos. Este jovem negro foi preso em uma operação com enirme espetacularização, com transmissão ao vivo para os canais de RV e Internet. Teve sua casa invadida e de lá saiu sem camisa e algemado, sendo exposto como um troféu de caça. A acusação foi de "apologia ao crime" ou coisa semelhante. Não foi intimado, não foi convidado a prestar esclarecimentos, enfim, não havia condenação.
A tendência ao se fazer uma análise fria da operação policial aponta para as eleições de 2026. O estado do Rio de Janeiro é refém há muito dos narcotraficantes, tendo grande parte de seu território controlado por milícias e grupos de traficantes fortemente armados. A população carioca está entregue à sanha criminosa de malfeitores que aumentam cada vez mais. Até os adolescentes sabem onde podem transitar ou não para não perderem a vida. Os sucessivos arrastões pululam por toda a cidade, os tiroteios nas comunidades ameaçam e assustam as pessoas de bem que lá habitam. A vergonhosa insegurança da cidade é despistada por ações típicas como a que houve na Comunidade da Maré culminando com a morte de um de seus controladores ou a recente incursão policial na comunidade do Santo Amaro no Catete, durante uma festa junina, onde vários moradores foram baleados e um jovem que trabalhava cono oficce boy morreu em consequência dos ferimentos, consagrando a necropolitica do estado sobre a população negra.
A prisão do MC Poze foi considerada ilegal pelo judiciário e o cantor saiu do presídio sob aclamação popular de milhares de pessoas que empreenderam uma vigília de vários dias defronte ao presídio onde estava encarcerado.
Os outros dois casos são semelhantes entre si e diversos do caso do MC Poze. As duas pessoas, Carla Zambelli e Léo Lins são brancos da classe média e Zambelli uma parlamentar do Congresso Nacional. Porém, ambos foram condenados e deveriam estar atrás das grades cumprindo suas penas. Como a lei brasileira admite recursos protelatórios para a burguesia, possivelmente terão suas penas atenuadas e quiçá paguem o que devem com distribuição de cestas básicas. É uma situação que ainda não está definida mas que nos leva a uma profunda reflexão sobre a luta de classes no Brasil.
Os condenados Léo Lins e Carla Zambelli estão recebendo por parte da grande imprensa, tratamento de vítimas do ativismo judiciário, enquanto MC Poze, como se diz por aí, é esculachado por esta mesma mídia, a mesma que endeusou os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas, ambos pulverizados pela mesma justiça da qual faziam parte.
Carla Zambelli, pega com a mão na botija por invadir os sistemas eletrônicos da justiça e por promover e convocar um golpe de estado, atentando contra a democracia brasileira pedindo a volta da ditadura militar, após a sentença condenatória transitada em julgado pelo STF, deu uma banana para os brasileiros e fugiu do país na calada da noite, atravessando a fronteira com a Argentina, de onde voou para os EUA, onde em seguida embarcou para a Itália, país que lhe concedeu cidadania e se acha protegida de uma possível prisão.
Léo Lins está recebendo uma enxurrada de apoios, apesar de em seus shows de Stand UP promover a pedofilia e ridicularizar grupos de maioria minorizadas como mulheres, negros e negras, pessoas com deficiências e gordas. A lei diz que é crime e quem cometer deve ser julgado e cumprir pena como reza a legislação penal. Mesmo assim há uma enorme mobilização nacional para que o criminoso não cumpra sua pena.
Mas o bandido na história é o MC Poze, artista negro de origem periférica, que saiu algemado de sua própria casa, na frente de sua família, sem camisa, de short e descalço, sem qualquer tipo de condenação, ao vivo e em cores para todo o Brasil.


sábado, 3 de maio de 2025

O tudo e o nada

O corpo humano é constituído por um número praticamente infinito de átomos. Mas os átomos são constituídos de 99,9% de espaços vazios. Na verdade nosso corpo é um imenso vazio, um oceano de nada, enquanto achamos que somos tudo. Resta saber como a consciência surgiu no meio desse grande deserto vazio comandado pelo caos.

O que nos faz viajar pelas estrelas senão ir de encontro ao útero primordial de onde viemos. Somos poeira de estrelas que explodiram há milhões de anos atrás na imensidão universal.
A complexidade e a perfeição do ordenamento do universo como a física quântica e a relatividade geral nos mostram, torna perfeitamente exequível a possibilidade de que haja um Criador.
Somos um tudo e um nada diante da magnificência da imensidão universal.
O que não é compreensível são pessoas se sentindo superior a outras por conta de possuirem menos melanina na pele. A verdadeira essência da espécie humana está em seu arquétipo senciente, em sua capacidade inequívoca de organizar o pensamento, de buscar soluções para seu cotidiano, de amar e ser amada.
As guerras, o desamor, o machismo, o racismo e todas as formas de preconceito e exclusão não estão inseridas nos nossos átomos. São construções sociais que visam poder, domínio e enriquecimento.
A verdadeira essência do poder é invisível e não compactua com as construções destrutivas mesquinhas e empreendidas pelos humanos. A natureza ou no caso um ser superior, se criou a espécie humana à sua imagem, precisa consertar as peças com defeito que deixou por aqui.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Bergman e o Jesus da Goiabeira

O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman, é um filme denso e dolorido. Ali está, inteiro, o processo de esgarçamento social capitaneado por gente que se imagina salvadora da pátria e seus apoiadores nutridos pelo ressentimento. Mostra como se testava os limites da democracia alemã, em 1923: pela via do ódio e da corrosão das instituições, dos valores mais altos da existência e da civilização. Há risco de naufrágio, mas as massas, cada fez mais fanatizadas e manipuladas, se creem empoderadas. E ai de quem advirta sobre o rumo perigoso que trilham. O fanático encontra justificativa para tudo; sua atuação violenta silencia as vozes dissonantes. O título do filme de Bergman inspirou-se em Shakespeare, esse conhecedor da alma humana. É uma frase da tragédia Julio Cesar: "Pense nele como um ovo de serpente que, chocado, se tornaria mau, como os de sua espécie. E mate-o na casca". Algumas idéias - não as pessoas - devem ser cortadas no nascedouro. Elas chocam e dão origem a serpentes cujo veneno vai apodrecer a carne de quem as fez prosperar. O filme O Ovo da Serpente (1977) de Ingmar Bergman nunca deixa de ser atual. Naturalmente é uma obra prima cercada de gente laureada como Dino de Laurentis na produção, David Carradine (aquele do seriado Kung Fu) no papel de Alan Rosenberg, um trapezista judeu desempregado e a belíssima e talentosa Liv Ullman como Manuella, uma cantora de cabaré, cunhada de Rosenberg. O Ovo da Serpente e série televisiva Berlin Alexanderplatz (1980) de Werner Fassbinder formam o que há de melhor na cinematografia mundial sobre a surpreendente República de Weimar, berço que embalou o nazismo de Hitler e suas monstruosidades. O Ovo da Serpente reproduz com a tradicional agucidade de Bergman os complexos panoramas sociais, ideológicos, religiosos, políticos e culturais do período. A pesquisa de Bergman é primorosa e o roteiro mais espetacular ainda. O cineasta reproduz com incrível fidelidade os passos de uma sociedade saída de uma guerra perdida, que antecipou a república declarada na cidade de Weimar, onde Goethe morreu. A nova república nasceu cheia de esperanças, mesmo sendo a representação política de um país humilhado e destroçado economicamente. O propósito da república liberal era reconduzie a Alemnha para um período de reconstrução e prosperidade. O cenário que surgiu com a república foi desesperador com inflação gigante, industrialização pífia, criminalidade elevada, anti-semitismo, anti-comunismo, desemprego em massa e ahumilhação do Tratado de Versalhes. Foi o terreno fértil necessário para o nascimento do poderoso nacional-socialismo alemão que trouxe ao mundo o Terceiro Reich de Hitler. O período plúmbeo produziu obras de raro valor como A Montanha Mágica (1924) de Thomas Mann, Nosferatu (1922) de FW Murnau e Bram Stoker, Metropolis de Fritz Lang em 1927 e o Anjo Azul de Josef von Sternberg em 1930. A torrente expressionista era a resposta que a arte oferecia em contraponto ao medo e a insegurança do crescente movimento racista e xenofóbico, que foi respaldado por um corolário jurídico conservador que assistia a ascensão de um militarismo extremista que se apresentava como a única alternativa para livrar a a Alemanha dos comunistas de 1917, bem ali ao lado na Rússia. Não posso emitir um spoiler, pois vale à pena se surpreender com o filme. Os figurinos de Charlote Fleming se unem de maneira magistral à fotografia de Sven Nykvist que é fenomenal ao transmitir com fidelidade a aura daqueles tempos sombrios e assustadores. O Brasil vive tempos assustadores e sombrios. O Ovo da Serpente nunca se mostrou tão atual e verdadeiro aqui ao sul do Equador. Naquele distante 1923 Bergman denunciava as tentativas golpistas do Exército, a repressão a liberdade individual, o culto ao grande líder, ao ditador centralizador e a prática da segregação, do patriotismo enviesado, do nacionalismo inconteste, enfim, um ovo da serpente. Na Berlim de 1923 a população também buscava alimentos no lixo. Uma das cenas do filme mostra um mutirão de pessoas que se alimenta em torno do corpo de um cavalo morto. A arte imita a vida ou a vida imita a arte?

sábado, 5 de abril de 2025

Chamam de mimimi

O Ipea apresentou dados comparativos do número do quadro de servidores afrodescendentes na administração pública federal. Os indicadores compreendem o período entre o ano de 2009 quando a lei de cotas raciais foi criada e 2019, exatamente 10 anos depois. Os indicadores demonstram de maneira inequívoca a mobilidade social alcançada com a política de ação afirmativa, enquanto que ao mesmo tempo, expõe a presença cruel do racismo estrutural e excludente até o ano de 2009. O avanço não significa que a igualdade tenha sido atingida ou estabelecida, ao menos no serviço público federal. Negras e negros ainda não alcançaram o percentual mínimo comparativo, que representam no total da população brasileira. Em relação ao contingente branco, o Censo Demográfico do IBGE de 2022 aponta que a população negra, compreendia entre pretos e pardos, representa 54% do total populacional, enquanto que no serviço público federal corresponde a apenas 38%. No caso da população branca, que corresponde a 43% da população total do país, no funcionalismo federal são 57% dos servidores. Esses dados demonstram que ainda há muito trabalho a fazer no que tange a igualdade racial na administração pública federal brasileira.